Anti-inflamatórios (AINEs): o que o reumatologista precisa saber | Reumatize Podcast + Reusumo | Episódio 11

Importância do tema:
  • Os AINEs estão entre as drogas mais comercializadas no mundo para o tratamento da dor, sendo muitas vezes utilizados de forma indiscriminada.
  • Apesar de amplamente utilizados, não são isentos de efeitos colaterais (nefros, gastros e cardiologistas que o digam 😅), devendo ser usados com cautela.
  • É fundamental que quem esteja prescrevendo saiba pesar os riscos e benefícios do uso dos anti-inflamatórios, bem como oferecer alternativas para o controle álgico nos casos de contraindicações ao uso, diminuido a necessidade de automedicação.
Mecanismo de ação:
  • O principal mecanismo de ação é a inibição da enzima COX (cicloxigenase) de forma reversível (exceto o ácido acetilsalicílico, que faz de forma irreversível), reduzindo a formação das prostaglandinas.
  • Ao inibir a COX, os AINEs impedem a conversão do ácido araquidônico, derivado dos fosfolípedes de membrana, à prostanoides: prostaglandinas, prostaciclina e tromboxanos.
  • Os prostanoides tem inúmeras funções na homeostase do trato gastrointestinal, sistema imune, vasos sanguíneos, musculatura, SNC, plaquetas e regulação vascular renal.
  • A inibição da COX se associa, por tanto, a efeitos colaterais decorrentes da falta das prostangandinas, que exercem funções fisiológicas.
  • Isoformas 1 e 2 da COX:
    • COX 1: forma constitucional e ativa no estômago (proteção gástrica) , intestino, rim e plaquetas.
    • COX 2: é produzida na infamação (o gene é induzível e tem expressão aumentada em estados inflamatórios). Também é produzida constitutivamente nos rim, cérebro, osso e endotélio, com papel na regulação vascular e trombótica.
      • Os AINEs podem atuar sobre a COX-1 e COX-2.
      • Os AINEs não seletivos, inibem a agregação plaquetária.
      • O AAS é seletivo para COX 1.
      • Inibidores seletivos da da COX-2:
        • Tem menor toxicidade gastrointestinal.
        • A inibição seletiva da COX2 no endotelio vascular, sem inibição da síntese de tromboxanos, resulta em estado pró-trombótico.
        • Mesma toxicidade renal e cardiovascular que os não seletivos.
    • COX 3: variante da COX1, expressa no córtex cerebral e coração.
Classificação:
  • Os AINEs são classificados com base em sua estrutura química, havendo maior similaridade entre AINE de mesma classe. Portanto, se um paciente não responder ou tiver um efeito colateral a um AINE específico, pode ser prudente selecionar um AINE de uma classe estrutural diferentes.
  • Classes (derivados de…):
    • Ácido salicílico: AAS – seletivo para COX1 e se liga de forma irreversível
    • Ácido acético: Cetorolaco trometamol; Diclofenaco; Etodolaco; Indometacina;
    • Ácido propiônico: Cetoprofeno; Ibuprofeno; Naproxeno;
    • Ácido fenâmico: Ácido mefenâmico; meclofenamato
    • Ácido enólico: Meloxicam; Piroxicam; Tenoxicam;
    • Coxibes:
      • Sulfonamidas: Celecoxibe
      • Sulfonas: Etoricoxibe
Benefícios
  • Analgésicos na dor aguda/ anti-inflamatório
  • Antipirético (inibindo as prostaglandinas no sistema nervoso central)
  • Antiplaquetário (ao reduzir o tromboxano A2, importante na ativação plaquetária)
Interações medicamentosas:
  • Reduz a eficácia da IECA (inibidores da enzima conversora de angiotensina)
    • Bloqueia as prostaglandinas vasodilatadoras e natriuréticas.
  • Risco de hipercalemia com o uso associado aos IECAs e diuréticos poupadores de potássio
    • Interferem na liberação de renina (mediada pelas prostaglandinas), diminuindo a formação de aldosterona e consequente excreção de potássio.
  • A associação do ácido acetilsalicílico (AAS), mesmo em baixa dose, com inibidores seletivos da COX 2, invalida o efeito seletivo das COX2, já que o AAS inibe a COX 1.
  • Os AINE não seletivos, reduzem o efeito protetor cardiovascular do AAS, bloqueando competitivamente a ligação do AAS à COX plaquetária.
  • O uso de antidepressivos inibidores da recapitação de serotonina (ISRSs), em associação, aumentam o risco de toxicidade gastrointestinal.
  • A associação de varfarina e AINEs aumenta o risco de sangramentos.
  • A associação com o metotrexato: risco de toxicidade pelo aumento da droga livre pela competição pelas proteínas plasmáticas.
Efeitos colaterais:
  • Reação de hipersensibilidade:
    • Doença respiratória exacerbada por AINE (DREA)
      • Os AINEs não seletivos podem desencadear broncoespasmo em paciente com hisória de doença respiratória exacerbada por AAS.
      • Cuidado nos pacientes asmáticos grave com pólipos nasais e rinite que têm maior risco de reação de hipersensibilidade aos AINEs).
      • Desvio do ácido aracdônico para a via da lipoxigenase, pelo bloqueio da COX, favorecendo a sintese de leucotrienos, que são broncoconstrictores, aumentando a responsividade brônquica.
  • Erupçoes cutaneas: erupção morbiliforme, eritema multiforme, SSJ, NET, pseudoporfiria, exacerbaçao de urticaria crônica espontanea, urticária ou angioedema induzidos por AINEs.
  • Trato gastrointestinal (TGI)
    • As prostaglandinas (PGE1 e PGE2) são responsáveis pela barreira mucosa gástrica, induzem a liberação de bicarbonato, aumentam o fluxo sanguíneo da mucosa na camada superficial de células gástricas e inibem a síntese de ácido gástrico.
    • Os AINEs não seletivos, além de inibirem o efeito protetor das prostaglandinas, também inibem a agregação plaquetária, aumentando o risco de fenômenos hemorrágico.
    • Todo o TGI pode sofrer e o paciente pode apresentar sintomas, como: dispepsia, dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia.
    • 40% dos usuários tem lesões endoscópicas, muitas vezes assintomáticas, como edema, erosões e ulcerações, que podem complicar com sangramento e perfuração gástrica.
      • 25% dos usuários crônicos de AINE vao ter DUP e 2-4% irão sangrar ou perfurar.
  • Para minimizar o risco, é importante estratificar o paciente para orientar medidas que diminuam a chance de danos (American College of Gastroenterology – diretrizes para a prevenção de úlceras induzidas por AINEs em 2009):
    • Paciente de alto risco: história de úlcera complicada anterior (especialmente recente) ou > 2 outros fatores de risco*
      • Conduta: evitar ao máximo uso de AINE, mas se necessário, associar iCOX2 (seletivo) + IBP (inibidor da bomba de prótons)
    • Paciente de moderado risco (1-2 fatores dos fatores de risco abaixo):
      • História de úlcera ou hemorragia gastrointestinal
      • Idade > 65 anos
      • Dose alta (mais do que o dobro da habitual) de um AINE
      • Uso concomitante de glicocorticoides
      • Uso concomitante de anticoagulantes
        • Conduta: uso concomitante de um gastroprotetor – IBP reduz o risco. Antagonista de H2 tem menor evidencia.
    • Pacientes de baixo risco: não têm fatores de risco.
      • Conduta: uso de AINE sem necessidade do uso de IBP.
  • Alguns grupos de especialistas defendem o teste para H. pylori em pacientes que estão iniciando a terapia com AINEs, se histórico de doença ulcerosa e tratamento para aqueles que são positivos.
  • Ensaios controlados randomizados (RCTs) e metanálises demonstraram redução em 50% a 66% de sangramento de úlcera e complicações com inibidores seletivos de COX-2 em comparação com inibidores não seletivos.
  • O uso associado de inibidor seletivo da COX-2 e dose baixa de Ácido acetilsalicílico (AAS) tem a mesma toxicidade gastrointestinal (GI) que um AINE não seletivo sem AAS. Portanto, nesses casos, é necessário um IBP para proteção GI.
  • O uso de IBP reduz eventos gástricos e duodenais, mas não em delgado e colon, mantendo riscos de estenose, úlcera, sangramentos, cujo único sinal pode ser a anemia ferropriva persistente.
  • Nefrotoxicidade:
    • Prostaglandinas (PGs) vasodilatam as artérias renais, aumentam a perda de sódio e aumentar a liberação de renina.
    • Em pacientes com insuficiência renal ou nos estados hipovolêmicos (menor volume efetivo), como na insuficiência cardíaca e na cirrose, as PGs são importantes para manter o fluxo e a pressão glomerular, havendo diminuição da taxa de filtração glomerular com o uso de AINEs.
    • Há risco de nefrite intersticial aguda, necrose tubular aguda, necrose papilar, hiponatremia, doença glomerular, além do risco de nefropatia crônica pelo uso prolongado dos AINEs.
  • Hepatotoxicidade:
    • Pode haver aumento de transaminases, reversível com a suspensão da medicação. Fique de olho nos exames laboratoriais, principalmente no primeiros meses de uso.
    • Hepatite grave foi relatada com diclofenaco.
    • Colestase também já foi descrita.
    • Os AINEs ligam-se avidamente a proteínas plasmáticas, principalmente a albumina e em situações que há hipoalbuminemia, como na cirrose, há aumento da droga livre, com potências riscos associados.
    • Os AINEs têm metabolização hepática, devendo ser evitados na insuficiência hepática/cirrose.
  • Cardiovascular:
    • Aumento do risco de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte.
    • O naproxeno pode ser mais seguro do que outros AINEs não seletivos, embora isso seja controverso.
    • Perda da ação de anti-hipertensivos e do efeito protetor do ácido acetilsalicílico.
    • Retenção hídrica e de sódio.
    • Em 2015, o FDA desaconselhou a “classificação”de AINEs de acordo com o risco cardiovascular pela ausência de dados conclusivos que sustentem o risco diferencial entre as opções disponiveis.
  • Conclusão:
    • Sempre considere o risco e benefício indivídual de cada paciente, de acordo com suas comorbidades e medicações em uso.
    • Os AINEs são igualmente eficazes, mas os pacientes individuais apresentam respostas e efeitos colaterais variados, dependendo da classe estrutural dos AINEs.
    • A eficácia (individual), tolerância, segurança (idade), conveniência da dosagem, formulação e custo guia a escolha pelo AINE.
    • Ao iniciar um anti-inflamatório objetive o uso pelo menor tempo e dose eficaz possível.
    • Estratifique o paciente para potenciais riscos e atente para necessidade de medidas para minimizar os riscos.
    • Importante acompanhar a pressão arterial, hemograma, eletrólitos, transaminases e creatinina, após início da medicação, principalmente nos primeiros 15 – 30 dias de uso e a cada 3 meses, em caso de uso prolongado.
    • Nos pacientes com contraindicação ao uso de AINEs, considere o uso de medicações analgésicas para controle da dor.
Referências:

  1. Shinjo, Samuel Katsuyuki; Moreira, Caio. Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2a ed. (p. 1657). Editora Manole. Edição do Kindle.
  2. West, Sterling. Rheumatology Secrets E-Book . Elsevier Health Sciences. Edição do Kindle.
  3. Carvalho, Marco Antonio P.; Lanna, Cristina Costa Duarte; Bertolo, Manoel Barros Et Al. Reumatologia – Diagnósttico e Tratamento (p. 723). Guanabara Koogan. Edição do Kindle.
  4. Lanza, Frank L. MD, FACG1,2; Chan, Francis K.L. MD, FRCP, FACG3; Quigley, Eamonn M.M. MD, FACG4 Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. Guidelines for Prevention of NSAID-Related Ulcer Complications. American Journal of Gastroenterology 104(3):p 728-738, March 2009.

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