Os AINEs estão entre as drogas mais comercializadas no mundo para o tratamento da dor, sendo muitas vezes utilizados de forma indiscriminada.
Apesar de amplamente utilizados, não são isentos de efeitos colaterais (nefros, gastros e cardiologistas que o digam 😅), devendo ser usados com cautela.
É fundamental que quem esteja prescrevendo saiba pesar os riscos e benefícios do uso dos anti-inflamatórios, bem como oferecer alternativas para o controle álgico nos casos de contraindicações ao uso, diminuido a necessidade de automedicação.
Mecanismo de ação:
O principal mecanismo de ação é a inibição da enzima COX (cicloxigenase) de forma reversível (exceto o ácido acetilsalicílico, que faz de forma irreversível), reduzindo a formação das prostaglandinas.
Ao inibir a COX, os AINEs impedem a conversão do ácido araquidônico, derivado dos fosfolípedes de membrana, à prostanoides: prostaglandinas, prostaciclina e tromboxanos.
Os prostanoides tem inúmeras funções na homeostase do trato gastrointestinal, sistema imune, vasos sanguíneos, musculatura, SNC, plaquetas e regulação vascular renal.
A inibição da COX se associa, por tanto, a efeitos colaterais decorrentes da falta das prostangandinas, que exercem funções fisiológicas.
Isoformas 1 e 2 da COX:
COX 1: forma constitucional e ativa no estômago (proteção gástrica) , intestino, rim e plaquetas.
COX 2: é produzida na infamação (o gene é induzível e tem expressão aumentada em estados inflamatórios). Também é produzida constitutivamente nos rim, cérebro, osso e endotélio, com papel na regulação vascular e trombótica.
Os AINEs podem atuar sobre a COX-1 e COX-2.
Os AINEs não seletivos, inibem a agregação plaquetária.
O AAS é seletivo para COX 1.
Inibidores seletivos da da COX-2:
Tem menor toxicidade gastrointestinal.
A inibição seletiva da COX2 no endotelio vascular, sem inibição da síntese de tromboxanos, resulta em estado pró-trombótico.
Mesma toxicidade renal e cardiovascular que os não seletivos.
COX 3: variante da COX1, expressa no córtex cerebral e coração.
Classificação:
Os AINEs são classificados com base em sua estrutura química, havendo maior similaridade entre AINE de mesma classe. Portanto, se um paciente não responder ou tiver um efeito colateral a um AINE específico, pode ser prudente selecionar um AINE de uma classe estrutural diferentes.
Classes (derivados de…):
Ácido salicílico: AAS – seletivo para COX1 e se liga de forma irreversível
Antipirético (inibindo as prostaglandinas no sistema nervoso central)
Antiplaquetário (ao reduzir o tromboxano A2, importante na ativação plaquetária)
Interações medicamentosas:
Reduz a eficácia da IECA (inibidores da enzima conversora de angiotensina)
Bloqueia as prostaglandinas vasodilatadoras e natriuréticas.
Risco de hipercalemia com o uso associado aos IECAs e diuréticos poupadores de potássio
Interferem na liberação de renina (mediada pelas prostaglandinas), diminuindo a formação de aldosterona e consequente excreção de potássio.
A associação do ácido acetilsalicílico (AAS), mesmo em baixa dose, com inibidores seletivos da COX 2, invalida o efeito seletivo das COX2, já que o AAS inibe a COX 1.
Os AINE não seletivos, reduzem o efeito protetor cardiovascular do AAS, bloqueando competitivamente a ligação do AAS à COX plaquetária.
O uso de antidepressivos inibidores da recapitação de serotonina (ISRSs), em associação, aumentam o risco de toxicidade gastrointestinal.
A associação de varfarina e AINEs aumenta o risco de sangramentos.
A associação com o metotrexato: risco de toxicidade pelo aumento da droga livre pela competição pelas proteínas plasmáticas.
Efeitos colaterais:
Reação de hipersensibilidade:
Doença respiratória exacerbada por AINE (DREA)
Os AINEs não seletivos podem desencadear broncoespasmo em paciente com hisória de doença respiratória exacerbada por AAS.
Cuidado nos pacientes asmáticos grave com pólipos nasais e rinite que têm maior risco de reação de hipersensibilidade aos AINEs).
Desvio do ácido aracdônico para a via da lipoxigenase, pelo bloqueio da COX, favorecendo a sintese de leucotrienos, que são broncoconstrictores, aumentando a responsividade brônquica.
Erupçoes cutaneas: erupção morbiliforme, eritema multiforme, SSJ, NET, pseudoporfiria, exacerbaçao de urticaria crônica espontanea, urticária ou angioedema induzidos por AINEs.
Trato gastrointestinal (TGI)
As prostaglandinas (PGE1 e PGE2) são responsáveis pela barreira mucosa gástrica, induzem a liberação de bicarbonato, aumentam o fluxo sanguíneo da mucosa na camada superficial de células gástricas e inibem a síntese de ácido gástrico.
Os AINEs não seletivos, além de inibirem o efeito protetor das prostaglandinas, também inibem a agregação plaquetária, aumentando o risco de fenômenos hemorrágico.
Todo o TGI pode sofrer e o paciente pode apresentar sintomas, como: dispepsia, dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia.
40% dos usuários tem lesões endoscópicas, muitas vezes assintomáticas, como edema, erosões e ulcerações, que podem complicar com sangramento e perfuração gástrica.
25% dos usuários crônicos de AINE vao ter DUP e 2-4% irão sangrar ou perfurar.
Para minimizar o risco, é importante estratificar o paciente para orientar medidas que diminuam a chance de danos (American College of Gastroenterology – diretrizes para a prevenção de úlceras induzidas por AINEs em 2009):
Paciente de alto risco:história de úlcera complicada anterior (especialmente recente) ou > 2 outros fatores de risco*
Conduta: evitar ao máximo uso de AINE, mas se necessário, associar iCOX2 (seletivo) + IBP (inibidor da bomba de prótons)
Paciente de moderado risco (1-2 fatores dos fatores de risco abaixo):
História de úlcera ou hemorragia gastrointestinal
Idade > 65 anos
Dose alta (mais do que o dobro da habitual) de um AINE
Uso concomitante de glicocorticoides
Uso concomitante de anticoagulantes
Conduta: uso concomitante de um gastroprotetor – IBP reduz o risco. Antagonista de H2 tem menor evidencia.
Pacientes de baixo risco: não têm fatores de risco.
Conduta: uso de AINE sem necessidade do uso de IBP.
Alguns grupos de especialistas defendem o teste para H. pylori em pacientes que estão iniciando a terapia com AINEs, se histórico de doença ulcerosa e tratamento para aqueles que são positivos.
Ensaios controlados randomizados (RCTs) e metanálises demonstraram redução em 50% a 66% de sangramento de úlcera e complicações com inibidores seletivos de COX-2 em comparação com inibidores não seletivos.
O uso associado de inibidor seletivo da COX-2 e dose baixa de Ácido acetilsalicílico (AAS) tem a mesma toxicidade gastrointestinal (GI) que um AINE não seletivo sem AAS. Portanto, nesses casos, é necessário um IBP para proteção GI.
O uso de IBP reduz eventos gástricos e duodenais, mas não em delgado e colon, mantendo riscos de estenose, úlcera, sangramentos, cujo único sinal pode ser a anemia ferropriva persistente.
Nefrotoxicidade:
Prostaglandinas (PGs) vasodilatam as artérias renais, aumentam a perda de sódio e aumentar a liberação de renina.
Em pacientes com insuficiência renal ou nos estados hipovolêmicos (menor volume efetivo), como na insuficiência cardíaca e na cirrose, as PGs são importantes para manter o fluxo e a pressão glomerular, havendo diminuição da taxa de filtração glomerular com o uso de AINEs.
Há risco de nefrite intersticial aguda, necrose tubular aguda, necrose papilar, hiponatremia, doença glomerular, além do risco de nefropatia crônica pelo uso prolongado dos AINEs.
Hepatotoxicidade:
Pode haver aumento de transaminases, reversível com a suspensão da medicação. Fique de olho nos exames laboratoriais, principalmente no primeiros meses de uso.
Hepatite grave foi relatada com diclofenaco.
Colestase também já foi descrita.
Os AINEs ligam-se avidamente a proteínas plasmáticas, principalmente a albumina e em situações que há hipoalbuminemia, como na cirrose, há aumento da droga livre, com potências riscos associados.
Os AINEs têm metabolização hepática, devendo ser evitados na insuficiência hepática/cirrose.
Cardiovascular:
Aumento do risco de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte.
O naproxeno pode ser mais seguro do que outros AINEs não seletivos, embora isso seja controverso.
Perda da ação de anti-hipertensivos e do efeito protetor do ácido acetilsalicílico.
Retenção hídrica e de sódio.
Em 2015, o FDA desaconselhou a “classificação”de AINEs de acordo com o risco cardiovascular pela ausência de dados conclusivos que sustentem o risco diferencial entre as opções disponiveis.
Conclusão:
Sempre considere o risco e benefício indivídual de cada paciente, de acordo com suas comorbidades e medicações em uso.
Os AINEs são igualmente eficazes, mas os pacientes individuais apresentam respostas e efeitos colaterais variados, dependendo da classe estrutural dos AINEs.
A eficácia (individual), tolerância, segurança (idade), conveniência da dosagem, formulação e custo guia a escolha pelo AINE.
Ao iniciar um anti-inflamatório objetive o uso pelo menor tempo e dose eficaz possível.
Estratifique o paciente para potenciais riscos e atente para necessidade de medidas para minimizar os riscos.
Importante acompanhar a pressão arterial, hemograma, eletrólitos, transaminases e creatinina, após início da medicação, principalmente nos primeiros 15 – 30 dias de uso e a cada 3 meses, em caso de uso prolongado.
Nos pacientes com contraindicação ao uso de AINEs, considere o uso de medicações analgésicas para controle da dor.
Referências:
Shinjo, Samuel Katsuyuki; Moreira, Caio. Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2a ed. (p. 1657). Editora Manole. Edição do Kindle.
West, Sterling. Rheumatology Secrets E-Book . Elsevier Health Sciences. Edição do Kindle.
Carvalho, Marco Antonio P.; Lanna, Cristina Costa Duarte; Bertolo, Manoel Barros Et Al. Reumatologia – Diagnósttico e Tratamento (p. 723). Guanabara Koogan. Edição do Kindle.
Lanza, Frank L. MD, FACG1,2; Chan, Francis K.L. MD, FRCP, FACG3; Quigley, Eamonn M.M. MD, FACG4 Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. Guidelines for Prevention of NSAID-Related Ulcer Complications. American Journal of Gastroenterology 104(3):p 728-738, March 2009.