Hipertensão Pulmonar: o que o reumatologista precisa saber | Reumatize Podcast + Reusumo | Episódio 08

✍🏽Nesse episódio, conversamos sobre uma importante e grave complicação das doenças imunomediadas: a hipertensão pulmonar

✨ Contamos com os ilustres especialistas Murillo de Araujo Martins, Ana Paula Luppino Assad e Lucas Victoria de Oliveira Martins

🟣 Você ficará por dentro da classificação da hipertensão arterial pulmonar, principais sintomas, exames diagnósticos e terapia inicial, com ênfase em hipertensão arterial pulmonar

⚡Quer ficar por dentro? Confira o episódio e o “reusumo” abaixo

 Conceito

Condição hemodinâmica em que há aumento da pressão média da artéria pulmonar superior a 20 mmHg em repouso, medida por cateterismo cardíaco direito, levando a repercussão nas câmaras cardíacas direitas.

 Causas

Vários mecanismos diferentes podem levar ao aumento da pressão da artéria pulmonar e são classificados em 05 diferentes grupos. É importante lembrar que um mesmo paciente pode pertencer a mais de um grupo.

 Classificação

Grupo 1 (hipertensão arterial pulmonar):

  • Grupo que inclui mecanismos que levam ao remodelamento da artéria pulmonar. 
  • É por definição uma vasculopatia.
  • O aumento da resistência vascular pulmonar e da pressão arterial pulmonar leva ao aumento da pós-carga do ventrículo direito e suas repercussões.
  • É uma hipertensão pulmonar pré-capilar.
  • Parâmetros do cateterismo de ventrículo direito:
    • Resistência vascular pulmonar > 2 unidades woods
    • Pressão de oclusão da artéria pulmonar ≤ 15 mmHg
  • Subcategorias do Grupo 1

  • As doenças do tecido conjuntivo representam cerca de 25% dos casos, sendo a esclerose sistêmica responsável por aproximadamente 70 a 80% desses.
  • Outras doenças imunomediadas que podem se associar à hipertensão arterial pulmonar são:  lúpus eritematoso sistêmico, doença mista do tecido conjuntivo, síndrome de sjogren, doença de Still e artrite reumatoide.

Grupo 2: secundária a doença das câmaras esquerdas

  • Há aumento das pressões nas câmaras esquerdas com consequente aumento da pressão da artéria pulmonar
  • Pode ser pós capilar isolada ou combinada:
    • Hipertensão pós-capilar isolada
      • Resistência vascular pulmonar ≤ 2 unidades woods
      • Pressão de oclusão da artéria pulmonar > 15 mmHg 
    • Hipertensão pós-capilar combinada
      • Resistência vascular pulmonar > 2 unidades woods
      • Pressão de oclusão da artéria pulmonar > 15 mmHg 

Grupo 3: secundária à hipóxia.

  • Como ocorre nas doenças intersticiais pulmonares 
  • Hipertensão pré-capilar

Grupo 4: secundária a tromboembolismo ou outras obstruções da artéria pulmonar.

  • Hipertensão pré-capilar

Grupo 5: Miscelânea; 

  • Hipertensão pré-capilar: hemoglobinopatias ou doenças mieloproliferativas
  • Hipertensão pós-capilar ou hipertensão pré e pós-capilar combinadas 
  • Doenças hematológicas, distúrbios sistêmicos e metabólicos (ex. doença de gaucher, doença de armazenamento de glicogênio, neurofibromatose, sarcoidose e histiocitose de células de Langerhans), insuficiência renal crônica, mediastinite fibrosante, cardiopatia congênita complexa 

 Sintomas

Relacionados a insuficiência cardíaca de câmara direita: edema de membros inferiores, refluxo hepatojulgular, hepatomegalia, dispneia aos esforços (principal sintoma), síncope, que pode se relacionar aos esforços, dor torácica, arritmias, fadiga.

Além dos sinais e sintomas relacionados à própria hipertensão pulmonar, busque por aqueles que direcionam à etiologia da hipertensão. Exemplos: fenômeno de raynaud, telangiectasias, úlceras digitais e manchas em sal e pimenta (sugestivos de esclerose sistêmica). 

 Diagnóstico

Ecocardiograma transtorácico (ECOTT): 

  • Exame mais importante para screening
  • Fornece dados que auxiliam na investigação etiológica e gravidade da doença
  • Permite avaliar:
    • Presença e gravidade da regurgitação tricúspide, permitindo estimar a pressão sistólica do ventrículo e estimar o aumento da pressão da artéria pulmonar 
      • VRT (velocidade de regurgitação tricúspide) >  2.8 m/s
      • As estimativas de PSAP são baseadas no pico da VRT e no TRPG (gradiente de pressão da regurgitação tricúspide) – valor impreciso e que sofre erros potenciais pelo uso de variáveis derivadas.
        • O guideline ESC/ERS (2022) recomenda o uso apenas do VRT
      • No entanto, não utilize a medida isolada da VRT. 
        • Pode ser subestimada/superestimada em situações como regurgitação tricúspide grave, anemia falciforme, doença hepática ou na presença de artefatos
        • Associe variáveis relacionadas ao ventrículo direito (TAPSE, FAC do ventrículo direito, onda S, razão TAPSE/sPAP, tensão na parede livre de VD e fração de ejeção do VD)
    • Presença de derrame pericárdico
    • Avaliar disfunção do ventrículo esquerdo e anormalidade valvares 

Cateterismo do ventrículo direito

  • É fundamental no diagnóstico e avaliação da hipertensão pulmonar
  • Permite a avaliação direta da hemodinâmica pulmonar, débito cardíaco e cálculo da resistência pulmonar.
  •  É essencial para confirmação de hipertensão pulmonar, tipo de hipertensão (pré-capilar, pós-capilar ou combinada), fornecendo dados para estratificação de risco e guiar terapia
  • Volume no CATE: 
    • Quando fazer?
      •  Paciente com pressão de oclusão da artéria pulmonar entre 12-15 ou nos pacientes com esclerose sistêmica.
    • Por que fazer volume?  
      • Permite avaliar a complacência do ventrículo esquerdo ao excesso de volume. 
      • Auxilia na investigação de HP “pós- capilar mascarada”. 
        • Muitas vezes, o paciente com esclerose sistêmica tem pressão de oclusão de artéria pulmonar > 18, após o volume (valores que sugerem componente do grupo 2)
  • Teste de vasorreatividade: não deve ser feito nos pacientes com esclerose sistêmica.
    • Mesmo que eles tenham resposta aguda ao vasodilatador (ex. óxido nítrico), definida como a queda média ≥  10 mmHg, pressão média de artéria pulmonar < 40 mmHg, sem piorar o débito cardíaco, os pacientes não sustentam a resposta.

Outros exames:

  • ECG: 
    • Permite avaliar se há hipertrofia de átrio ou ventrículo, avaliar sinais de doença isquêmica ou arritmias (fibrilação atrial/flutter); 
  • Ressonância cardíaca: 
    • Exame padrão ouro para avaliação do ventrículo, fornecendo medidas da anatomia, volume, função e fluxo das câmaras cardíacas, além da perfusão miocárdica. Permite avaliar miocardioesclerose na esclerose sistêmica.
  • Exames laboratoriais: 
    • Exames iniciais que auxiliam na investigação etiológica:
      • Hemograma, sódio, potássio, uréia, creatinina, AST, ALT, fosfatase alcalina, bilirrubinas totais, perfil do ferro, TSH e sorologias para HIV e hepatite B e C. A depender da epidemiologia, considere avaliação para esquistossomose.
      • Ácido úrico: pode estar elevado na hipertensão pulmonar (possível explicação: disfunção endotelial/ certo grau de disfunção renal associada)
      • NT-proBNP (péptido natriurético): incorporado na estratificação de risco, acompanhando a gravidade e sobrevida da HP.
  • Radiografia de tórax:
    • Pode mostrar aumento do índice cardíaco e dilatação das artérias pulmonares. Também podem ser evidenciadas alterações no parênquima pulmonar
  • Tomografia de tórax: permite avaliar alterações parenquimatosas
  • Cintilografia ventilação/perfusão: investigação de doença tromboembólica crônica
  • Angiotomografia de tórax: menos sensível do que a cintilografia, mas que também pode revelar sinais de doença tromboembólica (falha de enchimento, opacidades lineares ou em forma de cunha de trombos prévios). Além disso, permite descartar outros diagnósticos, como estenose de artéria pulmonar, tumores ou mediastinite fibrosante.
  • Prova de função pulmonar com DLCO: pode sugerir doença restritiva ou obstrutiva 
 Esclerose sistêmica e HAP
  • A prevalência de HAP é de 5-19%.
  • Sobrevida em 3 anos de apenas 52%.
  • A acurácia do ECOTT ou outro teste de forma isolada é abaixo do ideal. 
  • Os algoritmos de triagem usam combinação de características clínicas, ecocardiografia, prova de função pulmonar e BNP/pro-BNP para selecionar pacientes para o cateterismo de VD, melhorando a precisão diagnóstica.
  • Fatores de risco/ fenótipo mais frequente: esclerose sistêmica forma cutânea limitada, longo tempo de doença (>5-10 anos), presença do anticorpo anti-centrômero e perfil de vasculopatia da esclero (telangiectasias, fenômeno de raynaud mais grave com úlceras digitais e capilaroscopia alterada – redução do número médio de alças capilares).
  • Em pacientes com mais de 3 anos de doença, CVF ≥ 40% e DLCO < 60% o algoritmo DETEC é recomendado para identificar HAP assintomática
    • Propõe abordagem em duas etapas: 
      • Etapa 1-> composta por seis variáveis usadas para decidir a necessidade de ECOTT ou prosseguir direto para o CATE: telangiectasias, capacidade vital forçada (CVF%)/DLCO%, desvio do eixo para direita no ECG, anti-centrômero positivo, ácido úrico sérico e NT-proBNP
      • Etapa 2 -> considera o score da primeira etapa e variáveis do ECOTT para determinar a necessidade de CATE 
  • É indicado Screening para HP: 
    • Sintomas (dispneia): todas as consultas
    • ECOTT, DLCO: anual 
    • BNP/NT-proBNP podem ajudar
  • Nos pacientes sintomáticos, ECO no exercício e RM cardíaca podem ajudar na decisão terapêutica em casos selecionados
Lúpus eritematoso sistêmico e HAP
  • Fatores de risco: anticardiolipina positiva; fenômeno de raynaud 
  • No lúpus, não há indicação de ECO de rastreio, mas lembre-se desse exame nos pacientes com antifosfolípides positivos para avaliar hipertensão pulmonar e valvulopatia.

Como diferenciar grupo 1 x grupo 3
  • Avalie a tomografia de tórax e a prova de função pulmonar.
  •  Se CVF < 60% e fibrose pulmonar que justifique a hipertensão pulmonar (algo subjetivo e complexo), sugere grupo 3. 
  • Desproporção entre CVF e DLCO -considere doença vascular – HAP tipo 1?[c]
  • Redução proporcional de CVF e DLCO – considere doença pulmonar. 
  • No CATE, a resistência vascular ajuda. 
  • Se resistência > 5 U woods, pode até ser grupo 3, mas seria um grupo 3 desproporcional e pode ser que mereça tratamento.

Tratamento
  • Considere para todos: 
    • Evite hipervolemia: associar diurético
    • Evite hipóxia: suplemente oxigênio, se necessário, para tratar a hipoxemia em repouso, durante o sono ou induzida pelo exercício
    • Medidas contraceptivas para mulheres em idade fértil
    • Atualize o cartão vacinal 
    • Evite o uso de betabloqueadores
  • Hipertensão arterial pulmonar idiopática: Anticoagulação é recomendada apenas para hipertensão arterial idiopática (recomendação condicional que deve ser individualizada nesse cenário) ou HP secundária a tromboembolismo.

Hipertensão arterial pulmonar (grupo 1):

  • Tratamento inicial com terapia dupla: 
    • Inibidor da fosfodiesterase V + ERA (antagonista do receptor de endotelina). Ex.: sildenafi ou tadalafilal + bosentana ou ambrisentana
  • Em casos refratários, pode-se fazer terapia tripla
  • Transplante pulmonar também pode ser uma opção terapêutica em casos refratários selecionados, mas com pouca indicação na esclerose sistêmica, pelo risco de complicações cirúrgicas associadas, principalmente a dilatação esofágica.

Imunossupressão

  • Esclerose sistêmica: 
    • Não há benefício na hipertensão arterial pulmonar (grupo 1)
    • Entendemos que esses pacientes são “vasculopatas”. 
    • Estudos pequenos não mostraram benefício.
    • Se a causa da piora da hipertensão se associa a fibrose pulmonar (grupo 3), se aplica a imunossupressão, tendo a ciclofosfamida e o micofenolato como primeira escolha 
  • Lúpus eritematoso sistêmico e na doença mista do tecido conjuntivo
    • A imunossupressão é importante, havendo casos de resolução após a imunossupressão (estudos pequenos – série de casos, com ciclofosfamida).
    • Esses pacientes são “vasculíticos” e estudos mostram processo inflamatório na parede da artéria pulmonar. 
    • Se paciente com BNP elevado, disfunção cardíaca direita e classe funcional ruim, no geral, pode ser indicada imunossupressão e terapia específica. Após a imunossupressão, pode ser realizado o CATE e, havendo melhora, tenta-se suspender a terapia específica.
Lembretes – prática clínica
  • As medicações vasodilatadoras  não devem ser feitas para qualquer paciente com hipertensão pulmonar. 
    • Pode haver piora da hipóxia pelo efeito shunt,  ao vasodilatar áreas não ventiladas, devendo-se evitar na HP do grupo 3. 
    • Nos pacientes com esclerose sistêmica com hipertensão pulmonar tipo 3 e em uso de sildenafil por úlceras digitais, é importante fazer controle com gasometria arterial.
    • Trabalho publicado no NEJM mostrou benefício do uso do Treprostinil (análogo da prostaciclina) via inalatória em pacientes com doença fibrosante pulmonar.
  • Nos pacientes com fenômeno de raynaud em uso de bloqueador de canal de cálcio e com hipertensão pulmonar, temos o efeito hemodinâmico do BCC (redução da pré-carga), mas é preciso pesar risco x benefício
Seguimento
  • Re-estratificação durante seguimento – avaliar risco de óbito em 12 meses
  • Exames/avaliação: classe funcional (NYHA), teste de caminhada de 6 minutos e BNP
  • Se alteração na estratificação inicial, analisa-se outras variáveis, através de exames como ECOTT, ressonância cardíaca, CATE, teste cardiopulmonar de exercício 
  • O teste cardiopulmonar ou ergoespirometria pode ser usado em pacientes com esclerose sistêmica para auxiliar no seguimento e diagnóstico, principalmente quando há dúvidas se HP por componente do grupo 1 / 2 (vascular/cardíaca) x grupo 3 (pulmonar)

Referências e sugestões de leitura
  1. Hassoun PM. Pulmonary Arterial Hypertension. N Engl J Med. 2021;385(25):2361-2376. doi:10.1056/NEJMra2000348
  2. Humbert M, Kovacs G, Hoeper MM, et al. 2022 ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary hypertension. Eur Heart J. 2022;43(38):3618-3731. doi:10.1093/eurheartj/ehac237
  3. Haque A, Kiely DG, Kovacs G, Thompson AAR, Condliffe R. Pulmonary hypertension phenotypes in patients with systemic sclerosis. Eur Respir Rev. 2021;30(161):210053. Published 2021 Aug 17. doi:10.1183/16000617.0053-2021

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