Inspirados na aula da Prof. Dra Claudia Saad Magalhães (ERA 2022)
Mas antes de começarmos…
Definições dos critérios classificatórios e diagnósticos
Revisando o básico
Os critérios classificatórios servem para homogeneizar pacientes para estudos clínicos. Funcionam como se fossem uma peneira para selecionar pacientes semelhantes. Isso é importante em estudos, já que é preciso agrupar pacientes que tenham a mesma doença para avaliar uma possível intervenção. Possuem alta especificidade.
Lembrem-se que critérios classificatórios não são diagnósticos e não devem ser confundidos na prática clínica. Os critérios diagnósticos, precisam detectar o maior número de pacientes possível (não deixando quem tem a doença escapar). Por isso, são comparados a um funil… não quer deixar nada nem ninguém de fora. Possuem alta sensibilidade.
Novos rumos da AIJ
Atualmente, a Artrite idiopática juvenil refere-se a um grupo de doenças que ocorrem em crianças com menos de 16 anos e se manifestam principalmente por artrite persistente, durante seis ou mais semanas, descartadas outras doenças.
Em 1994, uma força tarefa da ILAR (League of Associations for Rheumatology para artrite idiopática juvenil) propôs a presente classificação e nomenclatura, um consenso baseado em opinião de especialistas, estabelecendo a homogeneidade entre as categorias, devendo ser mutuamente exclusivas, para facilitar pesquisa clínica e básica. Posteriormente, esse critério passou por revisões até a definição que temos atualmente.
Critérios de classificação da International League of Associations for Rheumatology (ILAR) para as artrites crônicas da criança e do adolescente (1997/2004)
- Artrite sistêmica
- Oligoarticular a. persistente b. estendida
- Poliarticular (fator reumatoide negativo)
- Poliarticular (fator reumatoide positivo)
- Artrite psoriásica juvenil
- Artrite relacionada à entesite
- Artrite indiferenciada a. não preenche os critérios de nenhuma das categorias b. preenche os critérios de mais de uma categoria
Pontos negativos dos atuais critérios
- Evidências recentes sugerem que alguns subtipos da AIJ apresentam-se heterogêneos, necessitando de melhor definição, como é o caso da AIJ poliarticular e da artrite psoriásica.
- Os parâmetros utilizados para classificação em diferentes categorias são eminentemente clínicos, como: idade de início abaixo dos 16 anos (sendo este um critério arbitrário), duração da artrite (seis semanas) e duração do período de início e do número de articulações acometidas, não considerando bases genéticas, biomarcadores e mecanismos das doenças autoimunes e autoinflamatórias.
- Além disso, considerar o número de articulações acometidas como critério para classificação, sofre interferências da reprodutibilidade entre observadores e não considera o uso da imagem para detectar artrite subclínica e o potencial do tratamento precoce previnir a progressão para poliartrite
- Precisamos considerar que existem doenças que tem início exclusivo na infância e outras que podem iniciar na infância e na idade adulta – doenças com diferentes fenótipos e isso não fica claro nos critérios.
- A definição de AIJ FR-positiva não foi atualizada para abranger a positividade das ACPAs.
- Falando especificamente da forma sistêmica, pacientes sem artrite são excluídos desta categoria, mas isso poderia até ser explicado pela terapia precoce. Além disso, pacientes com familiares de primeiro grau com psoríase também não entram na classificação por ser considerado um critério de exclusão.
- A maioria dos pacientes com AIJ apresenta-se com idade entre 1 a 4 anos de idade com um fenótipo oligoarticular. Esses pacientes são negativos para FR e ACPAs, mas geralmente são positivos para o FAN. Essa população tem maior risco de uveíte anterior crônica, doença indolente, mas destrutiva e que deve ser ativamente pesquisada. Vem sido demonstrado que pacientes com FAN positivo apresentam manifestações clínicas semelhantes, assinatura de genes de resposta de células B e isso independe do número de articulações acometidas. Isso indica uma forma única na faixa etária pediátrica. Por que não agrupá-las em um novo grupo?
Iniciativa – PRINTO 2019 – provisório
- Considerando esses fatores, a Pediatric Rheumatology International Trials Organization (PRINTO) propôs a revisão do os atuais critérios de classificação de AIJ, usando abordagem baseada em evidências, métodos clínicos e medidas laboratoriais disponíveis para agrupar os pacientes. Além disso, objetiva distinguir as formas de artrite crônica que são tipicamente observadas em crianças daquelas que representam manifestações na infância de doenças observadas em adultos, como artrite reumatoide, doença de Still e espondiloartrites.
- Um grupo internacional de 13 reumatologistas pediátricos experientes, por metodologia de consenso elaboraram os descritores de quatro categorias de AIJ a serem testadas em uma coorte internacional.
- Três subtipos foram considerados como apresentação pediátrica da mesma doença nos adultos: (1) AIJ FR positivo, (2) AIJ sistêmica e (3) AIJ relacionada à entesite/ espondilite. Já a AIJ de início precoce com FAN positivo foi considerada uma doença própria da faixa etária pediátrica, sem correspondente nos adultos.
⇒ O idade “corte” para início da doença foi alterado para antes dos 18 anos (substituindo os arbitrários 16 anos), idade adotada pela maioria dos países para distinguir crianças/adultos
1. AIJ sistêmica
- Considerada equivalente da doença de Still do adulto
- Agora a presença de artrite não é obrigatória
- Este subtipo tem perfil inflamatório característico com níveis de ferritina e interleucina (IL) 18 elevados
- Definições:
- Critério de entrada e:
- 2 critérios maiores OU;
- 1 critério maior E 2 critérios menores
- Critério de entrada e:
- Critério de entrada:
- Febre diária de origem desconhecida
- Febre ≥ 39°C uma vez ao dia e com períodos ≤ 37 °C entre os picos de febre.
- Deve estar presente por pelo menos 3 dias consecutivos e recorrentes por um período de pelo menos 2 semanas
- ❗Excluir: doenças infecciosas, neoplásicas, autoimunes ou doenças autoinflamatórias monogênicas
Confira os critérios maiores e menores na imagem.
- Sobre a doença parenquimatosa pulmonar, são características:
- Primeiro sinais em idade precoce (< 2 anos)
- Predominam os sintomas sistêmicos (com pouca ou nenhuma artrite)
- Podem ocorrer reações de “anafilaxia like” a biológicos (tocilizumabe) em 30-40% dos casos
- Prurido maculopapular e eosinofilia
- Achados radiológicos
- Consolidação periférica e peribroncovascular
- Opacidades em vidro fosco
- Linfonodomegalias
- Espessamento da parede da artéria pulmonar
2. Forma de início precoce com FAN+
- Inclui a grande maioria dos casos de AIJ – aprox. 50%
- Artrite por ≥ 6 semanas
- Inicio precoce (≤ 6 anos)
- Presença de FAN positivo em títulos ≥ 1/160 (por imunofluorescência)
- Necessário 2 testes com intervalo de 3 meses
- Uveíte anterior crônica assintomática é complicação possível que deve ser sempre rastreada
3. AIJ poliarticular FR +
- Artrite por ≥ 6 semanas
- Presença de FR (fator reumatóide) positivo
- Necessário 2 testes com intervalo de 3 meses
- Ou pelo menos 1 teste positivo para o anti CCP (pepitídeo citrulinado ciclico)
- Apresentação equivalente à artrite reumatoide (AR) nos adultos
4. AIJ relacionada à entesite/ espondilite
- Apresentação das espondiloartrites nas crianças e adolescentes
- Em crianças é mais frequente a forma indiferenciada de SpA
- Chama atenção a entrada do critério radiográfico ou RM
- Confira os critérios abaixo
5. Outros
- Artrite por ≥ 6 semanas
- Pacientes que não se encaixam nos critérios previamente comentados – não classificados
- Categoria temporária – posterga o reconhecimento de novas entidades após a análise de dados
- Sem consenso quando a classificaçao de PsA juvenil
Não classificada
- Artrite por ≥ 6 semanas
- Pacientes que preenchem mais de 1 critério
- Categoria temporária – posterga o reconhecimento de novas entidades após a análise de dados
Lembrem-se:
Essas definições são provisórias, e está em curso um estudo para analisar dados de mais de 1.000 crianças com artrite de início recente. Os dados resultantes serão analisados para ver se o agrupamento de descritores clínicos e laboratoriais permite a identificação de entidades homogêneas.
Veja a evolução dos critérios classificatórios de AIJ até hoje:
Referências
- Nigrovic PA, Colbert RA, Holers VM, Ozen S, Ruperto N, Thompson SD, Wedderburn LR, Yeung RSM, Martini A. Biological classification of childhood arthritis: roadmap to a molecular nomenclature. Nat Rev Rheumatol. 2021 May;17(5):257-269. doi: 10.1038/s41584-021-00590-6. Epub 2021 Mar 17. Erratum in: Nat Rev Rheumatol. 2021 Mar 29.
- Martini A, Ravelli A, Avcin T, Beresford MW, Burgos-Vargas R, Cuttica R, Ilowite NT, Khubchandani R, Laxer RM, Lovell DJ, Petty RE, Wallace CA, Wulffraat NM, Pistorio A, Ruperto N for the Pediatric Rheumatology International Trials Organization (PRINTO). Toward New Classification Criteria for Juvenile Idiopathic Arthritis. First Steps: the PRINTO International Consensus. J Rheumatol 2019 Feb;46(2):190-197