A biópsia renal na nefrite lúpica: como utilizar e analisar na prática clínica – Dr. Brad H. Rovin – ERA 2022

Apesar da biópsia renal ser algo, muitas vezes, de difícil acesso no Brasil, cada vez ela tem demonstrado sua importância não só ao momento do diagnóstico para definição de atividade, cronicidade e prognóstico, mas também no seguimento da nefrite lúpica.

Confiram os destaques da aula do Dr. Brad H. Rovin ministrada no ERA 2022 (Encontro de Reumatologia Avançada)

Outras manifestações renais além da nefrite lúpica

Além da nefrite lúpica (NL), o que pode estar acontecendo no rim do paciente com LES?

  • Nem todos pacientes com LES e doença renal possuem nefrite lúpica
    • 5% dos pacientes podem apresentar outras glomerulonefrites e podocitopatia lúpica pode coexistir em 1,3% dos casos
    • Nefropatia da SAF pode acontecer em até 24% dos pacientes com ou sem nefrite lúpica
    • Apesar de raro, nefrite intersticial pode ser uma manifestação isolada
  • Nem todos tipos de NL necessitam de tratamento agressivo com imunossupressores
    • NL Classe 2
    • Alterações crônicas com pouca inflamação ativa

Primeira Biópsia renal e prognóstico a longo prazo

Além da importância no diagnóstico, a biópsia renal (Bx) inicial consegue definir prognóstico de maneira isolada?

  • É ingênuo esperar que a biópsia inicial (mesmo sendo muito bem feita) prevê o desfecho/prognóstico, exceto que em casos extremos de exceção (ex.: 90% de nefroesclerose)
  • Prognóstico é melhor avaliado considerando o contexto: acesso ao cuidado/saúde; aderência, raça e resposta a terapia.
  • Mesmo assumindo que o paciente esteja com o tratamento otimizado, uma biópsia isolada (que basicamente é uma foto) não consegue prever a resposta a terapia.

Então como podemos avaliar melhor o tratamento e prognóstico na NL?

  • Uma possibilidade é rebiopsiar esses pacientes!
  • Através da rebiópsia podemos avaliar resposta histológica (melhora do índice de atividade) ao longo do tratamento.
  • Se tiramos várias fotos, passamos a ter um filme e uma visão melhor do todo.

Aprendizados da rebiópsia no longo prazo

o que a rebiópsia pode nos ensinar?

  • As alterações histológicas levam tempo, podendo persistir por anos mesmo com o tratamento adequado (depósitos de Igg podem persistir por mais de 3 anos)
  • Redução na quantidade de depósitos subendoteliais quando comparado a primeira biópsia renal em 2 anos é associado a melhor sobrevida.
  • Estudo de coorte prospectiva realizou nova biópsia após 30 meses da terapia manutenção. **A persistência de atividade IA (índice de atividade) ≥ 1 aumenta o risco de flare no futuro e todos pacientes com IA > 2 evoluíram com flare. (de Rosa et al, 2018)

Relações (ou ausência de relação) entre resposta histológica, clínica e laboratorial

Nós médicos não somos bons em inferir essa relação?

Não! Pacientes podem apresentar resposta clínica completa e ainda persistir com em IA histológica ≥ 4 e o contrário também pode ocorrer, pacientes podem atingir a remissâo histológica completa e até 62% persistir com proteinúria ≥ 500mg/24h. (Malvar et al, NDT, 2017)

Após o término da fase manutenção por 30 meses (Alvorado et al, 2014), apenas 44% dos pacientes com resposta clínica completa apresentavam resposta histológica completa (IA =0) e 62,5% dos pacientes com proteinúria persistente possuíam remissão histológica completa.

CR = remissão completa; PR = remissão parcial

Atividade de doença importante (classe 3, 4 e 5) persiste mesmo em níveis de proteinúria definidos como “remissão” (Mejia-Vilet, 2022)

  • E a sorologia (C3, C4 e Anti-DNAds) possui boa correlação com atividade histológica?
    • Não! Pacientes podem apresentar atividade histológica mesmo com complemento normal e Anti-DNAds negativo. (de Rosa, 2018)

Seria o seguimento através da biópsia renal guiado por biópsia renal superior ao tratamento padrão?

  • Estudo prospectivo de coorte comparou terapia de manutenção guiada de acordo biópsia (grupo1) VS terapia de manutenção padrão (grupo 2) quanto ao risco de flare a longo prazo (figura do protocolo abaixo) (Malvar A. et al, 2020):
  • Grupo 1: Aos 36 meses da terapia da manutenção (TM) era realizado biópsia renal (biópsia 3), caso paciente estivesse em remissão histológica era suspensa a TM, caso persistisse em atividade histológica (AH), era realizada uma nova biópsia (biópsia 4) em 24 meses e, caso necessário, a TM era mantida e repetida nova biópsia (biópsia 5) em 24 meses e assim sucessivamente.
    1. Grupo 2: protocolo padrão. Suspensão da terapia de manutenção após 3 anos.
  • 🧮Pacientes do grupo guiado por biópsia apresentaram 9,2% de flares comparado com 31% nos pacientes com terapia padrão.
  • NNT (Number Needed to Treat) de 10.

Algumas das conclusões do Dr. Brad Rovin:

  • Histologia sozinha pode sugerir a direção da terapia baseado na gravidade, grau de inflamação e grau de dano irreversível.
  • Exceto em casos extremos, histologia não defina quem será tratado com ciclofosfamida ou micofenolato.
  • Provavelmente a histologia de maneira isolada não será o suficiente para identificar o tratamento ideal conforme desenvolvemos novas terapias que possuem como objetivos vias alvo específicas do sistema imune. Isto ocorre devido:
    • A patogênese do LES ser heterogênea.
    • A resposta histológica renal é limitada.
  • A histologia sozinha, não importa o quão bem realizada, não será o suficiente para a medicina de precisão na nefrite lúpica.

Futuro

Provavelmente, no futuro, uma das possibilidade será guiar o tratamento pelo perfil molecular dos compartimentos renais ou, melhor, por biomarcadores urinários (Parikh S, 2022; Mejia-Vilet, 2022).

Retirado de Parikh S, et al (2022). Molecular profiling of kidney compartments from serial biopsies differentiate treatment responders from non-responders in lupus nephritis. Kidney International, 0(0). https://doi.org/10.1016/J.KINT.2022.05.033
Retirado de Mejia-Vilet JM, Malvar A, Arazi A, Rovin BH. The lupus nephritis management renaissance. Kidney Int. 2022 Feb;101(2):242-255. doi: 10.1016/j.kint.2021.09.012.

Incorporando a biópsia renal na prática clínica (no futuro provavelmente será substituído por biomarcadores e sem necessidade de exames invasivos) – algoritmo em evolução proposto pelo autor

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Referências

de Rosa, M., Azzato, F., Toblli, J. E., de Rosa, G., Fuentes, F., Nagaraja, H. N., Nash, R., & Rovin, B. H. (2018). A prospective observational cohort study highlights kidney biopsy findings of lupus nephritis patients in remission who flare following withdrawal of maintenance therapy. https://doi.org/10.1016/j.kint.2018.05.021

Malvar, A., Pirruccio, P., Alberton, V., Lococo, B., Recalde, C., Fazini, B., Nagaraja, H., Indrakanti, D., & Rovin, B. H. (2017). Histologic versus clinical remission in proliferative lupus nephritis. Nephrol Dial Transplant, 32, 1338–1344. https://doi.org/10.1093/ndt/gfv296

Malvar A., et al (2020). Kidney biopsy–based management of maintenance immunosuppression is safe and may ameliorate flare rate in lupus nephritis. Kidney International, 97(1), 156–162. https://doi.org/10.1016/j.kint.2019.07.018

Mejia-Vilet JM, et al. The lupus nephritis management renaissance. Kidney Int. 2022 Feb;101(2):242-255. doi: 10.1016/j.kint.2021.09.012

Parikh S, et al (2022). Molecular profiling of kidney compartments from serial biopsies differentiate treatment responders from non-responders in lupus nephritis. Kidney International, 0(0). https://doi.org/10.1016/J.KINT.2022.05.033

Jourde-Chiche N, et al (2022). Weaning of maintenance immunosuppressive therapy in lupus nephritis (WIN-Lupus): results of a multicentre randomised controlled trial. Annals of the Rheumatic Diseases, 0, 33. https://doi.org/10.1136/ANNRHEUMDIS-2022-222435

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